Sobre limitações urbanas, ainda que ocultas
Mikael Guedes
Agressivas ou ocultas, as fronteiras refletem a autoridade e
a dominação de um povo, ou determinam a existência de diferentes organizações
sociais, econômicas e culturais. Categoricamente as fronteiras protegem a
soberania e delimitam as esferas de competência, podendo ser consideradas
mostras de libertação quando rompidas. As fronteiras se tornaram símbolos de
limites, e as suas rupturas tornaram o propósito do processo de globalização,
que almeja o livre trânsito de mercadoria e informações.
O enfoque desta presente obra, é a discussão da existência
de uma fronteira imperceptível sensorialmente, mas tão real quanto às demais
materialmente existentes. As metrópoles modernas já nascem demarcadas por elas
- as fronteiras invisíveis - aquelas que não são concretas, mas possuem as
mesmas funções: serem seletivas e discricionárias.
O surgimento de identidades e culturas diversificadas
ocorrem concomitantemente à criação das fronteiras invisíveis, sendo um
processo cíclico. A partir do momento que há uma delimitação do espaço por uma
fronteira inicia-se a formação de um território, uma organização espaço-social
distinta em áreas paralelas. Esses territórios, então peculiares, se
transformam e se redefinem constantemente, pois a sociedade está sempre em
movimento.
Assim surgem identidades comuns aos indivíduos na mesma
região que são diferentes das identidades das demais populações em áreas nas
imediações. Ao longo da história é possível identificar vários tipos de
fronteiras invisíveis, pois onde existe aglomeramento humano existirão divisões
em todos os setores sociais. As diferenças se fazem marcantes desde a fundação
dos núcleos populacionais.
O fator econômico é determinante nas ocupaçoes das terras,
quando os mais abastados se alojam em localizações favorecidas pelo relevo,
abastecimento de água e facilidade de acesso a bens e serviços. Aqueles que não
têm condições de acessar o mercado imobiliário se acomodam em regiões
periféricas. Porém, com o crescimento urbano acelerado, as periferias são
absorvidas pela exploração imobiliária, surgindo algumas ilhas de pobreza, antigas
áreas periféricas. É comum encontrar comunidades carentes envoltas por áreas de
grande valor econômico e ocupadas por edificações luxuosas. É nesse contexto de
exclusão social que o Aglomerado Morro do Papagaio surgiu iniciado por uma
segregação espacial que se acentuou ao longo dos anos, e hoje gera outros tipos
de apartação. As fronteiras reais, lógicas e bem aceitas socialmente, por estarem
afastadas dos centros, deixaram de existir com o crescimento da cidade e se
tornaram muralhas invisíveis.
Somam-se ao muro invisível, por exemplo, o preconceito
devido às diferenças culturais, o difícil acesso à comunidade e o surgimento de
um novo poder paralelo por ausência do poder público.
Em Belo Horizonte, como exemplo desta situação, o Aglomerado
Morro do Papagaio situa-se na zona sul, bem próximo aos metros quadrados mais
caros da cidade, margeando uma das mais importantes vias de conexão entre o
centro e bairros nobres como: Belvedere, Mangabeiras e Savassi. Inicialmente,
ainda no século XIX, no planejamento da cidade, propunha-se que a área fosse
mantida como área verde, pois se tratava de um terreno íngreme, de difícil
acesso. Tal área fazia parte da “Fazenda Cercadinho”, pertencente a Serra do
Curral, que foi desapropriada com a finalidade de proporcionar um cinturão
verde para a recém criada capital mineira.
No início do século XX surgiram os primeiros barracos na
região, pois se situavam mais próximos às vias de acesso e centro da cidade. Em
1940, foram documentadas as primeiras tentativas, por parte do governo, de
desocupação da área. Porém a proximidade com a área central intensificou a
vinda de moradores nas décadas de 60 e 70, sem qualquer tipo de planejamento
urbano ou autorização de órgãos governamentais. O Morro do Papagaio é atualmente
um aglomerado e fazem parte deste as comunidades de Vila Barragem Santa Lúcia,
Vila Santa Rita de Cássia, Vila São Bento e Vila Estrela. A atual visão
governamental busca uma conciliação do morro e das regiões vizinhas, e o
melhoramento da urbanização, pacificação e humanização do Aglomerado Morro do
Papagaio.
As diferenças culturais são atualmente tão notórias, que o
Aglomerado possui uma tipologia urbana arquitetônica típica de comunidades de
baixa-renda e muito diferente dos bairros, Savassi, Mangabeiras e Belvedere, no
seu entorno. Essa diferença arquitetônica se faz visivel na região e é
percebida pelos moradores e frequentadores desses diversos bairros.
O fenômeno da globalização vem alongando e sobrepondo
fronteiras. Esta tendência repete-se em âmbito local atuando na comunidade do
Morro do Papagaio e vizinhança nobre. Existe uma enraizada dependência das
regiões vizinhas abastecidas pela mão de obra do aglomerado. Contudo a
fronteira invisível continua presente. Além da especulação imobiliária que vem
aos poucos absorver a comunidade do Morro do Papagaio, outro aspecto é o
fascínio, por vezes internacional, que as favelas adquiriram nos últimos anos
valorizando “o morro como morro”, com todas as suas peculiaridades. Tais fatores
enfraquecem a ideia de divisão e faz com que a comunidade/governo busquem meios
que possibilitem esta fusão do aglomerado a estrutura urbana global, buscando
melhorias em saneamento básico, contenção de encostas e melhorias para com as
condições em que a comunidade se encontra.
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