terça-feira, 21 de junho de 2016

Sobre limitações urbanas, ainda que ocultas

Mikael Guedes

Agressivas ou ocultas, as fronteiras refletem a autoridade e a dominação de um povo, ou determinam a existência de diferentes organizações sociais, econômicas e culturais. Categoricamente as fronteiras protegem a soberania e delimitam as esferas de competência, podendo ser consideradas mostras de libertação quando rompidas. As fronteiras se tornaram símbolos de limites, e as suas rupturas tornaram o propósito do processo de globalização, que almeja o livre trânsito de mercadoria e informações.

O enfoque desta presente obra, é a discussão da existência de uma fronteira imperceptível sensorialmente, mas tão real quanto às demais materialmente existentes. As metrópoles modernas já nascem demarcadas por elas - as fronteiras invisíveis - aquelas que não são concretas, mas possuem as mesmas funções: serem seletivas e discricionárias.

O surgimento de identidades e culturas diversificadas ocorrem concomitantemente à criação das fronteiras invisíveis, sendo um processo cíclico. A partir do momento que há uma delimitação do espaço por uma fronteira inicia-se a formação de um território, uma organização espaço-social distinta em áreas paralelas. Esses territórios, então peculiares, se transformam e se redefinem constantemente, pois a sociedade está sempre em movimento.

Assim surgem identidades comuns aos indivíduos na mesma região que são diferentes das identidades das demais populações em áreas nas imediações. Ao longo da história é possível identificar vários tipos de fronteiras invisíveis, pois onde existe aglomeramento humano existirão divisões em todos os setores sociais. As diferenças se fazem marcantes desde a fundação dos núcleos populacionais.

O fator econômico é determinante nas ocupaçoes das terras, quando os mais abastados se alojam em localizações favorecidas pelo relevo, abastecimento de água e facilidade de acesso a bens e serviços. Aqueles que não têm condições de acessar o mercado imobiliário se acomodam em regiões periféricas. Porém, com o crescimento urbano acelerado, as periferias são absorvidas pela exploração imobiliária, surgindo algumas ilhas de pobreza, antigas áreas periféricas. É comum encontrar comunidades carentes envoltas por áreas de grande valor econômico e ocupadas por edificações luxuosas. É nesse contexto de exclusão social que o Aglomerado Morro do Papagaio surgiu iniciado por uma segregação espacial que se acentuou ao longo dos anos, e hoje gera outros tipos de apartação. As fronteiras reais, lógicas e bem aceitas socialmente, por estarem afastadas dos centros, deixaram de existir com o crescimento da cidade e se tornaram muralhas invisíveis.

Somam-se ao muro invisível, por exemplo, o preconceito devido às diferenças culturais, o difícil acesso à comunidade e o surgimento de um novo poder paralelo por ausência do poder público.

Em Belo Horizonte, como exemplo desta situação, o Aglomerado Morro do Papagaio situa-se na zona sul, bem próximo aos metros quadrados mais caros da cidade, margeando uma das mais importantes vias de conexão entre o centro e bairros nobres como: Belvedere, Mangabeiras e Savassi. Inicialmente, ainda no século XIX, no planejamento da cidade, propunha-se que a área fosse mantida como área verde, pois se tratava de um terreno íngreme, de difícil acesso. Tal área fazia parte da “Fazenda Cercadinho”, pertencente a Serra do Curral, que foi desapropriada com a finalidade de proporcionar um cinturão verde para a recém criada capital mineira.

No início do século XX surgiram os primeiros barracos na região, pois se situavam mais próximos às vias de acesso e centro da cidade. Em 1940, foram documentadas as primeiras tentativas, por parte do governo, de desocupação da área. Porém a proximidade com a área central intensificou a vinda de moradores nas décadas de 60 e 70, sem qualquer tipo de planejamento urbano ou autorização de órgãos governamentais. O Morro do Papagaio é atualmente um aglomerado e fazem parte deste as comunidades de Vila Barragem Santa Lúcia, Vila Santa Rita de Cássia, Vila São Bento e Vila Estrela. A atual visão governamental busca uma conciliação do morro e das regiões vizinhas, e o melhoramento da urbanização, pacificação e humanização do Aglomerado Morro do Papagaio.

As diferenças culturais são atualmente tão notórias, que o Aglomerado possui uma tipologia urbana arquitetônica típica de comunidades de baixa-renda e muito diferente dos bairros, Savassi, Mangabeiras e Belvedere, no seu entorno. Essa diferença arquitetônica se faz visivel na região e é percebida pelos moradores e frequentadores desses diversos bairros.

O fenômeno da globalização vem alongando e sobrepondo fronteiras. Esta tendência repete-se em âmbito local atuando na comunidade do Morro do Papagaio e vizinhança nobre. Existe uma enraizada dependência das regiões vizinhas abastecidas pela mão de obra do aglomerado. Contudo a fronteira invisível continua presente. Além da especulação imobiliária que vem aos poucos absorver a comunidade do Morro do Papagaio, outro aspecto é o fascínio, por vezes internacional, que as favelas adquiriram nos últimos anos valorizando “o morro como morro”, com todas as suas peculiaridades. Tais fatores enfraquecem a ideia de divisão e faz com que a comunidade/governo busquem meios que possibilitem esta fusão do aglomerado a estrutura urbana global, buscando melhorias em saneamento básico, contenção de encostas e melhorias para com as condições em que a comunidade se encontra.




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