“O QUE É O URBANO, NO MUNDO CONTEMPORÂNEO”, de Roberto Luís Monte-Mór
O artigo do Prof. Roberto Luís Monte-Mór Primeiramente mostra como a cidade se
transformou a apartir da industrialização. Mostra como a cidade, além de centro
mercantil, passou a transformar riquezas, a elas agregando valor industrial ,
trazendo assim, sua característica de cidade industrial. Depois relata que o
campo passou a depender da cidade não só pela sua função mercantil, como também
de sua produção industrial, seja de bens de capital, como de bens de consumo. Finalmente
descreve o processo de urbanização extensiva, em que o tecido urbano se move para
as periferias e avança para o campo, confundindo-se com ele.
O autor analisa, ao longo do tempo, as relações econômicas
entre o campo e a cidade, bem como o impacto da industria nessas relações,
medindo as consequências impostas à cidade, com a expansão demográfica do
proletariado nas cidades, bem como a gradativa mudança da autonomia do campo
para uma dependência da cidade, não só nos meios de produção, como também nos
de subsistência.
O processo
de produção do espaço, da habitação, é comentado pelo autor como consequência
da necessidade de prover ao proletariado que se agregou às cidades esses
abrigos.
Abaixo
algumas transcrições de trechos importantes do artigo.
“A efetiva passagem da cidade ao urbano foi marcada pela tomada
da cidade pela indústria trazendo a produção—e o proletariado—para o espaço do
poder. A cidade, lócus do excedente, do poder e da festa, cenário privilegiado
da reprodução social, ficou assim subordinada à lógica da indústria. A cidade
sofreu então um duplo processo: sua centralidade implodiu sobre si mesma e sua periferia
explodiu sobre o entorno sob a forma de tecido urbano, que acabou por carregar
consigo o germe da polis e da civitas. Assim, a práxis urbana, antes restrita à
cidade, re-politizou todo o espaço social.
No Brasil, o urbano teve sua origem na política ao mesmo
tempo concentradora e integradora dos governos militares que deram seqüência à
centralização e expansionismo Varguista e interiorização desenvolvimentista
Juscelinista. Hoje, o urbano-industrial se impõe virtualmente a todo o espaço
social, na urbanização extensiva dos nossos dias.” ([1], p.5)
“Legalmente, no Brasil, cidades são definidas pelos
perímetros urbanos das sedes municipais, e os territórios e populações
considerados urbanizadas incluem os perímetros das vilas, sedes dos distritos
municipais. Entretanto, as áreas urbanizadas englobam amplas regiões
circunvizinhas às cidades cujo espaço urbano integrado se estende sobre
territórios limítrofes e distantes em um processo expansivo iniciado no século
XIX e acentuado de forma irreversível no século passado.” ([1], p.6)
“Cidade e campo, elementos sócio-espaciais opostos e
complementares, constituem a centralidade e a periferia do poder na organização
social. As cidades garantem a diversidade e escala da vida social bem como a
competição e cooperação características da vida humana contemporânea. Os
campos, por sua vez, tão diversos entre si, garantem também diversidades dentro
das suas homogeneidades extensivas e escalas de produção quando tomados de
forma abrangente. Contém também processos de competição e cooperação, mesmo
gerenciados pelas cidades e limitados pela auto-suficiência relativos que ainda
mantêm.
A cidade, na visão histórica dominante na economia política,
constitui o resultado do aprofundamento da divisão sócio-espacial do trabalho em uma
comunidade4. Este aprofundamento resulta de estímulos provocados pelo contato
externo e abertura para outras comunidades envolvendo processos regulares de
troca baseados na cooperação e na competição. Implica, assim, de um lado um sedentarismo
e uma hierarquia sócio-espacial interna à comunidade e de outro, movimentos
regulares de bens e pessoas entre comunidades. Localmente, exige uma estrutura
de poder sustentada pela extração de um excedente regular da produção situada
no campo. Assim, a cidade implica a emergência de uma classe dominante que
extrai e controla este excedente coletivo através de processos ideológicos
acompanhados, certamente, pelo uso da força.” ([1], p.7)
“Assim, a cidade mercantil, o lugar central para onde os
excedentes regionais eram voluntariamente trazidos e comercializados, resulta
da entrada da burguesia na cidade, e sua eventual conquista. Os burgos
mercantis deram novo sentido e força à cidade política, transformando-a em centro
mercantil. A relação campo-cidade teve então sua primeira inflexão, e a
extração do maisproduto não era mais apenas possibilitada pela coerção
político-ideológica e militar, mas também de um movimento voluntário do campo
em direção à capacidade articuladora da cidade enquanto lócus do mercado. A
inflexão do campo à cidade foi então marcada pela economia: a produção do campo
só se realizava na praça de mercado, modificando e ampliando a dominação da
cidade sobre o campo.” ([1], p.8)
“A segunda transformação e efetiva passagem da cidade em
direção ao urbano foi marcada pela entrada da indústria na cidade, processo
longo na história ocidental, como enfatiza Singer (1973). Na verdade, a
urbanização tal como hoje a entendemos se iniciou com a cidade industrial.
(...)
A cidade industrial foi assim marcada pela entrada da
produção no seio do espaço do poder, trazendo com ela a classe trabalhadora, o
proletariado. A cidade passou a não mais apenas controlar e comercializar a
produção do campo, mas também a transformá-la e a ela agregar valor em formas e
quantidades jamais vistas anteriormente. O campo, até então predominantemente
isolado e autosuficiente, passou a depender da cidade para sua própria
produção, das ferramentas e implementos aos bens de consumo de vários tipos,
chegando hoje a depender da produção urbano-industrial até para alimentos e
bens de consumo básico. Para Lefèbvre (1999), essa inflexão significa a
subordinação total do campo à cidade.” ([1], p.8)
“(...)a reprodução coletiva da força de trabalho, sintetizada
pela habitação e demandas complementares8. O espaço urbanizado passa então a se
constituir em função das demandas colocadas ao Estado tanto no sentido de
atender à produção industrial quanto, e particularmente, às necessidade da
reprodução coletiva da força de trabalho. As grandes cidades industriais se
estendem então sobre suas periferias de modo a acomodar as indústrias, seus
provedores e trabalhadores, gerando amplas regiões urbanizadas no seu entorno:
regiões metropolitanas.
(...) O tecido urbano sintetiza, assim, o processo de
expansão do fenômeno urbano que resulta da cidade sobre o campo e,
virtualmente, sobre o espaço regional e nacional como um todo.” ([1], p.9)
“Tenho chamado de urbanização extensiva10 esta materialização
sócio-temporal dos processos de produção e reprodução resultantes do confronto
do industrial com o urbano, acrescida das questões sócio-políticas e cultural
intrínsecas à polis e à civitas que têm sido estendidas para além das aglomerações
urbanas ao espaço social como um todo. É essa espacialidade social resultante
do encontro explosivo da indústria com a cidade—o urbano—que se estende com as
relações de produção (e sua reprodução) por todo o espaço onde as condições
gerais de produção (e consumo) determinadas pelo capitalismo industrial de
Estado se impõem à sociedade burocrática de consumo dirigido carregando, no seu
bojo, a reação e organização políticas que são próprias da cidade. Essa é a
realidade—a sociedade urbana—que se impõe hoje como virtualidade e objetividade
no Brasil, constituindo-se em condição para a compreensão do espaço social
contemporâneo.” ([1], p.10-11)
“Diante do quadro exposto já se pode falar de uma sociedade
virtualmente urbana no Brasil. A urbanização brasileira se intensificou na
segunda metade do século XX, quando o capitalismo industrial ganhou momento no
país e dinamizou a economia a partir da consolidação das grandes cidades industriais,
particularmente São Paulo, o grande pólo industrial do Brasil. A transformação
de uma economia agro-exportadora em uma economia centrada na substituição de
importações para o mercado interno redefiniu a cidade industrial como pólo de
dinamização e de transformações seletivas no espaço e na sociedade brasileiras.”
([1], p.11)
“A partir dos anos setenta, a urbanização se estendeu
virtualmente ao território nacional integrando os diversos espaços regionais à
centralidade urbano-industrial que emanava de São Paulo, desdobrando-se na rede
de metrópoles regionais, cidades médias, núcleos urbanos afetados por grandes
projetos industriais e atingindo, finalmente, as pequenas cidades nas diversas
regiões, em particular onde o processo de modernização ganhou uma dinâmica mais
intensa e extensa.
(...) A
urbanização extensiva caminha assim ao longo dos eixos viários e redes de
comunicação e de serviços em regiões "novas" como a Amazônia e o
Centro-Oeste, mas também em regiões "velhas", como o Nordeste, em espaços
residuais das regiões mais desenvolvidas, nas "ilhas de ruralidade"
no interior mineiro ou paulista. Em toda parte, a lógica urbano-industrial se
impõe ao espaço social contemporâneo, no urbano dos nossos dias.” ([1], p.12)
[1] Monte-Mór, Roberto Luís. O
QUE É O URBANO, NO MUNDO CONTEMPORÂNEO. Revista Paranaense de
Desenvolvimento-RPD, 2011. Disponível em
http://www.ipardes.pr.gov.br/ojs/index.php/ revistaparanaense/article/view/58
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