terça-feira, 21 de junho de 2016

“O QUE É O URBANO, NO MUNDO CONTEMPORÂNEO”, de Roberto Luís Monte-Mór

O artigo do Prof. Roberto Luís Monte-Mór Primeiramente mostra como a cidade se transformou a apartir da industrialização. Mostra como a cidade, além de centro mercantil, passou a transformar riquezas, a elas agregando valor industrial , trazendo assim, sua característica de cidade industrial. Depois relata que o campo passou a depender da cidade não só pela sua função mercantil, como também de sua produção industrial, seja de bens de capital, como de bens de consumo. Finalmente descreve o processo de urbanização extensiva, em que o tecido urbano se move para as periferias e avança para o campo, confundindo-se com ele.
O autor analisa, ao longo do tempo, as relações econômicas entre o campo e a cidade, bem como o impacto da industria nessas relações, medindo as consequências impostas à cidade, com a expansão demográfica do proletariado nas cidades, bem como a gradativa mudança da autonomia do campo para uma dependência da cidade, não só nos meios de produção, como também nos de subsistência.
O processo de produção do espaço, da habitação, é comentado pelo autor como consequência da necessidade de prover ao proletariado que se agregou às cidades esses abrigos.

Abaixo algumas transcrições de trechos importantes do artigo.

A efetiva passagem da cidade ao urbano foi marcada pela tomada da cidade pela indústria trazendo a produção—e o proletariado—para o espaço do poder. A cidade, lócus do excedente, do poder e da festa, cenário privilegiado da reprodução social, ficou assim subordinada à lógica da indústria. A cidade sofreu então um duplo processo: sua centralidade implodiu sobre si mesma e sua periferia explodiu sobre o entorno sob a forma de tecido urbano, que acabou por carregar consigo o germe da polis e da civitas. Assim, a práxis urbana, antes restrita à cidade, re-politizou todo o espaço social.
No Brasil, o urbano teve sua origem na política ao mesmo tempo concentradora e integradora dos governos militares que deram seqüência à centralização e expansionismo Varguista e interiorização desenvolvimentista Juscelinista. Hoje, o urbano-industrial se impõe virtualmente a todo o espaço social, na urbanização extensiva dos nossos dias.” ([1], p.5)
Legalmente, no Brasil, cidades são definidas pelos perímetros urbanos das sedes municipais, e os territórios e populações considerados urbanizadas incluem os perímetros das vilas, sedes dos distritos municipais. Entretanto, as áreas urbanizadas englobam amplas regiões circunvizinhas às cidades cujo espaço urbano integrado se estende sobre territórios limítrofes e distantes em um processo expansivo iniciado no século XIX e acentuado de forma irreversível no século passado.” ([1], p.6)
Cidade e campo, elementos sócio-espaciais opostos e complementares, constituem a centralidade e a periferia do poder na organização social. As cidades garantem a diversidade e escala da vida social bem como a competição e cooperação características da vida humana contemporânea. Os campos, por sua vez, tão diversos entre si, garantem também diversidades dentro das suas homogeneidades extensivas e escalas de produção quando tomados de forma abrangente. Contém também processos de competição e cooperação, mesmo gerenciados pelas cidades e limitados pela auto-suficiência relativos que ainda mantêm.
A cidade, na visão histórica dominante na economia política, constitui o resultado do aprofundamento da  divisão sócio-espacial do trabalho em uma comunidade4. Este aprofundamento resulta de estímulos provocados pelo contato externo e abertura para outras comunidades envolvendo processos regulares de troca baseados na cooperação e na competição. Implica, assim, de um lado um sedentarismo e uma hierarquia sócio-espacial interna à comunidade e de outro, movimentos regulares de bens e pessoas entre comunidades. Localmente, exige uma estrutura de poder sustentada pela extração de um excedente regular da produção situada no campo. Assim, a cidade implica a emergência de uma classe dominante que extrai e controla este excedente coletivo através de processos ideológicos acompanhados, certamente, pelo uso da força.” ([1], p.7)
Assim, a cidade mercantil, o lugar central para onde os excedentes regionais eram voluntariamente trazidos e comercializados, resulta da entrada da burguesia na cidade, e sua eventual conquista. Os burgos mercantis deram novo sentido e força à cidade política, transformando-a em centro mercantil. A relação campo-cidade teve então sua primeira inflexão, e a extração do maisproduto não era mais apenas possibilitada pela coerção político-ideológica e militar, mas também de um movimento voluntário do campo em direção à capacidade articuladora da cidade enquanto lócus do mercado. A inflexão do campo à cidade foi então marcada pela economia: a produção do campo só se realizava na praça de mercado, modificando e ampliando a dominação da cidade sobre o campo.” ([1], p.8)
A segunda transformação e efetiva passagem da cidade em direção ao urbano foi marcada pela entrada da indústria na cidade, processo longo na história ocidental, como enfatiza Singer (1973). Na verdade, a urbanização tal como hoje a entendemos se iniciou com a cidade industrial. (...)
A cidade industrial foi assim marcada pela entrada da produção no seio do espaço do poder, trazendo com ela a classe trabalhadora, o proletariado. A cidade passou a não mais apenas controlar e comercializar a produção do campo, mas também a transformá-la e a ela agregar valor em formas e quantidades jamais vistas anteriormente. O campo, até então predominantemente isolado e autosuficiente, passou a depender da cidade para sua própria produção, das ferramentas e implementos aos bens de consumo de vários tipos, chegando hoje a depender da produção urbano-industrial até para alimentos e bens de consumo básico. Para Lefèbvre (1999), essa inflexão significa a subordinação total do campo à cidade.” ([1], p.8)
(...)a reprodução coletiva da força de trabalho, sintetizada pela habitação e demandas complementares8. O espaço urbanizado passa então a se constituir em função das demandas colocadas ao Estado tanto no sentido de atender à produção industrial quanto, e particularmente, às necessidade da reprodução coletiva da força de trabalho. As grandes cidades industriais se estendem então sobre suas periferias de modo a acomodar as indústrias, seus provedores e trabalhadores, gerando amplas regiões urbanizadas no seu entorno: regiões metropolitanas.
(...) O tecido urbano sintetiza, assim, o processo de expansão do fenômeno urbano que resulta da cidade sobre o campo e, virtualmente, sobre o espaço regional e nacional como um todo.” ([1], p.9)
Tenho chamado de urbanização extensiva10 esta materialização sócio-temporal dos processos de produção e reprodução resultantes do confronto do industrial com o urbano, acrescida das questões sócio-políticas e cultural intrínsecas à polis e à civitas que têm sido estendidas para além das aglomerações urbanas ao espaço social como um todo. É essa espacialidade social resultante do encontro explosivo da indústria com a cidade—o urbano—que se estende com as relações de produção (e sua reprodução) por todo o espaço onde as condições gerais de produção (e consumo) determinadas pelo capitalismo industrial de Estado se impõem à sociedade burocrática de consumo dirigido carregando, no seu bojo, a reação e organização políticas que são próprias da cidade. Essa é a realidade—a sociedade urbana—que se impõe hoje como virtualidade e objetividade no Brasil, constituindo-se em condição para a compreensão do espaço social contemporâneo.” ([1], p.10-11)
Diante do quadro exposto já se pode falar de uma sociedade virtualmente urbana no Brasil. A urbanização brasileira se intensificou na segunda metade do século XX, quando o capitalismo industrial ganhou momento no país e dinamizou a economia a partir da consolidação das grandes cidades industriais, particularmente São Paulo, o grande pólo industrial do Brasil. A transformação de uma economia agro-exportadora em uma economia centrada na substituição de importações para o mercado interno redefiniu a cidade industrial como pólo de dinamização e de transformações seletivas no espaço e na sociedade brasileiras.” ([1], p.11)
A partir dos anos setenta, a urbanização se estendeu virtualmente ao território nacional integrando os diversos espaços regionais à centralidade urbano-industrial que emanava de São Paulo, desdobrando-se na rede de metrópoles regionais, cidades médias, núcleos urbanos afetados por grandes projetos industriais e atingindo, finalmente, as pequenas cidades nas diversas regiões, em particular onde o processo de modernização ganhou uma dinâmica mais intensa e extensa.
(...) A urbanização extensiva caminha assim ao longo dos eixos viários e redes de comunicação e de serviços em regiões "novas" como a Amazônia e o Centro-Oeste, mas também em regiões "velhas", como o Nordeste, em espaços residuais das regiões mais desenvolvidas, nas "ilhas de ruralidade" no interior mineiro ou paulista. Em toda parte, a lógica urbano-industrial se impõe ao espaço social contemporâneo, no urbano dos nossos dias.” ([1], p.12)

[1] Monte-Mór, Roberto Luís. O QUE É O URBANO, NO MUNDO CONTEMPORÂNEO. Revista Paranaense de Desenvolvimento-RPD, 2011. Disponível em http://www.ipardes.pr.gov.br/ojs/index.php/ revistaparanaense/article/view/58

Sem comentários:

Enviar um comentário