sexta-feira, 20 de maio de 2016

As áreas vazias e sua atuação no pensamento sobre espaços urbanos coletivos

À primeira vista um espaço urbano pode ser identificado tanto pela ausência de elementos construídos quanto pela ausência de uso. Em certa medida, a ausência de elementos físicos contribui para a ausência de usos e, por outro lado, a ausência de usos é capaz de tornar um conjunto de elementos físicos sem sentido. Contudo, para uma captura mais precisa desse objeto (o espaço vazio), no lugar de abordar a escala do município, sugiro um enfoque mais palpável do assunto: a escala microlocal.



Essa escala tem por referência aquela porção urbana que uma pessoa ou grupo percebe, no dia-a-dia, como o espaço onde mora na cidade, sobre a qual pode exercer influência direta. Nessa escala, se subtrairmos os lotes e os espaços públicos destinados ao lazer, sobra o espaço público cotidiano composto por calçadas, pontas de quarteirão, ruas, canteiros centrais, rotatórias, ilhas para a travessia de pedestre, áreas lindeiras à ferrovias, resíduos de lotes e qualquer outro espaço livre. O enfoque na escala microlocal complexifica a definição de espaço vazio colocada no início: não se trata apenas da ausência de usos ou da ausência de elementos construídos, mas sim do modo como se estrutura a gestão dos espaços públicos. A organização das funções urbanas na escala do município gera espaços que, na escala microlocal, acabam reduzidos a circulação entre o ponto e outro ou a fragmentos marginais às rotinas de uso. Os canteiros centrais, por exemplo, que funcionam como parte do sistema viário e de drenagem, dificilmente abrigam usos ancorados na escala microlocal.

O enfoque na escala microlocal exige ainda uma ruptura com o raciocínio “figura / fundo” na discussão dos espaços vazios de uma cidade. No lugar de uma abordagem que considera a apropriação pelos habitantes urbanos dos espaços livres definidos previamente por especialistas, é necessário partir para o debate da atuação criativa e deliberativa de indivíduos e grupos na produção do espaço público cotidiano. É isso que está em jogo na noção de produção do espaço e direito da cidade, discutidas pelo filósofo Henri Lefebvre e mais recentemente pelo geógrafo David Harvey.

O direito à cidade consiste no direito de decidir e de atuar diretamente na produção do espaço a partir do seu valor de uso, em contraposição ao motor da produção capitalista do espaço: o valor de troca. Ou seja, é questionável que a via de atuação no espaço urbano reconhecida comi legítima aconteça apenas por parte do poder público e por agentes privados que recebem a sua concessão.

Se os espaços vazios da escala microlocal são passíveis de influência direta pelos moradores que vivem no entorno, é descabido que no âmbito da administração municipal não haja nenhum mecanismo de regulação que considere tal possibilidade. Em outras palavras, a aplicação dos mesmos processos de planejamento e de gestão independente da escala contribui para que esses espaços permaneçam vazios. Junto a esse fato e diretamente fomentado por ele, os indivíduos tendem a se manter apáticos em relação à produção do espaço que está fora da esfera doméstica. Há inúmeros bairros e vizinhanças onde as pessoas negligenciam por completo a possibilidade de intervir, considerando que seria tarefa da prefeitura cuidar de tudo o que não é propriedade privada.

Existem hoje na região metropolitana de Belo Horizonte muitas áreas ociosas que necessitam de pequenos incrementos para que passem a ser frequentadas no dia-a-dia e que podem abrigar usos e elementos construídos adaptáveis ao longo do tempo de acordo com negociações no âmbito microlocal. A discussão acerca dos espaços vazios a partir desta escala levanta o debate sobre a produção coletiva dos espaços públicos, que parte da negociação, da tomada de decisões e do trabalho colaborativo entre os indivíduos diretamente interessados. E uma vez que essa produção é independente do expediente da administração municipal e da iniciativa privada, ela pode se contrapor criativamente aos imperativos dessas duas instâncias na produção do espaço urbano.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

HARVEY, David. The right to the city. New Left Review, nº 53, setembro-outubro, 2008.

LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. São Paulo: Moraes Ltda, 1991.

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